Eu lembro quando era bem menina e fazíamos campanha para os chamados anticandidatos do MDB. Era a ditadura militar e tudo se fazia escondido. Ainda assim, num mutirão de poucas pessoas recolhia-se dinheiro e faziam-se os panfletos que eram empurrados por baixo das portas durante a madrugada. Depois, no final dos anos 70, quando se começou a construção da CUT e do PT, os lutadores sociais faziam a mesma coisa. Era uma romaria com o chapéu para gente ir a encontros, reuniões, para organizar o povo. Todo o financiamento da luta era feito pelos próprios trabalhadores, pela gente
Naqueles dias, as coisas também eram feitas por nossas próprias mãos. As faixas de papel, a cola de farinha, as tintas malucas para as pichações nos muros. Jamais se pensaria em pagar alguém para produzir um panfleto. Tudo era artesanalmente produzido, com os talentos que arrebanhávamos nas fileiras da luta. E, na azáfama de fazer acontecer, se dava a mística da solidariedade, da partilha, da cooperação.
Hoje os tempos mudaram, os velhos militantes apaixonados assumiram postos de mando nos sindicatos, nas centrais, nos partidos e tudo perdeu a sua aura. Agora, para não se perder tempo, os materiais de divulgação e propaganda são feitos por assessores, as faixas são terceirizadas e parece que todo mundo fica paralisado quando não há dinheiro para fazer as coisas.
Outro dia, durante uma discussão sobre a Conferência Nacional de Comunicação, a qual acredito que não servirá para nada, a não ser respaldar os desejos dos grandes empresários da comunicação, sugeri que fizéssemos uma conferência paralela, assim, com as nossas regras e não com as que foram impostas pelos empresários. Foi interessante observar a reação dos lutadores. A idéia soou como um completo absurdo. “Como vamos trazer as pessoas do interior?” “Como vamos alugar um lugar para o encontro? E onde as pessoas vão dormir? E todos os custos, quem vai bancar?” Perguntas tolas, diante da grandiosidade da liberdade...
Então eu lembrei a todos daqueles dias em que nós movíamos o mundo sem grana dos sindicatos, sem ajuda das fundações estadunidenses, sem grana do governo. Nós construímos partidos, centrais, mudanças importantes. Nós fizemos coisas demais com o financiamento dos próprios trabalhadores, com gente dormindo na nossa cama, comendo nossa comida, dividindo as parcas economias. Mas, naqueles dias, nós éramos movidos por uma paixão infinda, um desejo abissal de mudar o mundo e nossa pobreza jamais foi obstáculo para nada.
Hoje vejo alguns lutadores com ares de saciedade, descansando nos aparelhos, aceitando dinheiro das fundações estrangeiras, esperando migalhas do governo e, por conta disso, se rendendo às regras impostas pelos patrões.
Eu repilo isso. Tenho nojo e ódio. Quero de volta a luta renhida, feita por nós mesmos, financiada por nós mesmos, na solidariedade, no amor. Quando ninguém nos impunha pautas e ninguém nos infligia regras. Éramos livres! Pois quero outra vez essa liberdade... Ou nada!
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