O papel de salvador da pátria é o mais disputado pelos dirigentes esportivos. Cada qual ao seu estilo perpetua-se no cargo máximo de seus clubes com um objetivo maior: ser útil à sua maior paixão. Só essa dedicação é suficiente para modificar a situação dos times brasileiros? Publicado em 1989, é como se tivesse sido escrito, digamos assim, ontem.
Era uma vez um time de futebol que usava camisas brancas. Imaculadamente brancas, como os calções. De preto só o distintivo – e um punhado de artistas como Dorval, Mengálvio, Coutinho e ele, o Rei Pelé.
O mundo parava para vê-lo jogar. E o Santos ganhava, ganhava e ganhava. Ganhava os jogos, as taças e os dólares. Muitos dólares. Enchia estádios por onde passava e os cofres da Vila Belmiro, a vila mais famosa do mundo, como se dizia então.
Os artistas se aposentaram, as camisas não são mais imaculadas, pois cederam espaço para os patrocinadores, e a Vila definhou porque os dólares eram de papel e o vento levou. Sobraram uma torcida imensa e uma enorme saudade. E a situação ficou preta.
Era uma vez um time de futebol que usava camisas rubro-negras. alegremente rubro-negras e de calções brancos. Como branco era, e ainda é, o seu maior artista, Zico. Um time que tinha Raul, Leandro, Mozer, Júnior, Tita, Andrade, Adílio, Nunes. E que, do outro lado do mundo, também conquistou a maior glória que um clube pode conquistar.
O Flamengo foi o clube brasileiro que mais venceu na década de 1980 e está longe de definhar. Tem a maior torcida do país, um patrimônio sólido, mas, também, já deixa saudade. Um branco difícil de preencher.
Saudosismo à parte, Santos e Flamengo, com destinos opostos em relação às fortunas acumuladas, são faces da mesma moeda num futebol administrado amadoristicamente. O clube paulista não teve a sorte de ser dirigido com competência. O Flamengo, ao contrário, até que teve, embora ainda sem a visão empresarial que exige tempo integral e só pode ser realizada profissionalmente.
Sim, porque não só os cartolas das entidades dirigentes deixam a desejar. Com triste freqüência, os dos clubes não são melhores. Tanto que abandonaram iniciativas como a que redundou no Clube dos 13. E até hoje não entenderam quem é que tem a força.
Nossa envelhecida legislação, para variar, tem culpa no cartório ao impedir, por exemplo, que os clubes tenham o lucro como finalidade. E tome amadorismo. Homens que, dizem eles, se sacrificam por amor ao clube. Não é por vaidade ou por paixão, nem por ambições outras. E por espírito público, juram.
Ora, basta de mártires. Que voltem para suas casas e descansem em paz, durmam o sono dos justos. O futebol brasileiro precisa de cabeças novas, de gente que saiba arrecadar os recursos para manter nossos craques por aqui – e não é preciso ser nenhum gênio em marketing para entender o que significam negócios como o Flamengo ou o Santos. Porque os gênios do mal já entenderam e fazem transações mirabolantes que revertem em seu próprio benefício. Que se dane o clube, que se danem os torcedores.
É claro que existem as exceções. Adílson Monteiro Alves, o da Democracia Corintiana, foi uma delas. Carlos Miguel Aidar e Márcio Braga, pais do Clube dos 13, outras. Paulo Odone, do Grêmio, mais uma. Eles, por sinal, jamais fizeram papel de mártires, ainda que padecendo dos males do amadorismo. Porque mártires, mesmo, são o torcedor e o futebol brasileiros.
Era uma vez a seleção canarinho que, hoje, mora na Europa. Por quê? Talvez porque, lá, a maioria dos clubes esteja organizada como empresas.
As camisas da CBF ainda podem maravilhar o planeta. Mas ao torcedor brasileiro restou apenas o amarelo no sorriso.
(Publicado em “O Globo” de 09/11/1989)