terça-feira, 14 de julho de 2009

PC fala de sua saída da seleção brasileira

Canoas - Na última semana, o futsal brasileiro foi sacudido com a notícia de que a Confederação Brasileira de Futsal (CBFS) não renovaria o contrato do técnico Paulo César de Oliveira. Vale lembrar que PC comandou o Brasil na conquista do título mundial conquistado em 2008, após oito anos de domínio espanhol. Recém chegado a Canoas de uma viagem de 20 dias pela Grécia - onde recebeu o premio de melhor treinador do mundo em 2008 e festejou os 20 anos de casado com a esposa Rejane - ele revela com exclusividade ao Diário de Canoas as razões que levaram à sua saída.

Por quê PC não é mais o técnico da Seleção?
PC - A relação (com a cúpula da CBFS) começou a ter problemas em março do ano passado. Eu fiz uma convocação para quatro partidas: um desafio internacional contra a Costa Rica e um contra Sérvia, além de mais dois jogos da Sportv. E pelas minhas costas foi convocada outra seleção.

Por quem?
PC - Pela presidência e por alguns auxiliares. Não era a minha lista. Imediatamente exigi ser demitido e me recusei a dirigir uma equipe que não tivesse convocado. Isso há cinco, seis meses do Campeonato Mundial (conquistado pelo Brasil em outubro). Não sentei no banco nos quatro jogos.

Como foi?
PC - Mandaram uma pessoa aqui a Porto Alegre. Estava comendo comigo num restaurante em Canoas por voltas das 15 horas, tentando me convencer a refazer a lista. Só que às 12h30 ela já estava nos clubes. Ou seja: já tinha saído. E aqui estavam fazendo um teatro para tentar me convencer.

Então?
PC - Seria impossível eu olhar na cara dos meus filhos e da minha mulher se dirigisse uma seleção que não tivesse convocado. Iria de encontro a tudo aquilo que sempre preguei lá dentro. O que fez a confederação? Alegou para a imprensa que eu estava com problemas particulares. Todo mundo ficou preocupado comigo por causa da minha filha Laura, que sofre com uma enfermidade extremamente grave. Eu dizia para todo mundo que não tinha problema nenhum.

Pensou em largar tudo?
PC – Claro. Mas o silêncio covarde da CBFS colocava o futsal em xeque. O esporte, atletas e patrocinadores não poderiam ser penalizados por essa irresponsabilidade. Neste período, perdi o contato com a CBFS.

Às vésperas do Mundial?
PC - Isso, sem nenhum contato. Nem por e-mail, nem por telefone. As pessoas precisavam saber o que tinha acontecido. Mas a covardia deles não tinha limite. Nesse período aconteceram vários contatos com os jogadores. Então decidimos em conjunto levar o projeto até o final. Estávamos preparados para o campeonato do mundo. O Brasil precisava do título. Depois disso, cada um poderia fazer o que achasse melhor. A CBFS não se manifestou, deixou seguir assim até o final.

E depois do Mundial?
PC - Achei que, terminado o Mundial, eu ia seguir a minha vida e eles iriam seguir a vida deles. Aconteceu que eles me chamaram para renovar o contrato, que venceria em 31/12, por mais quatro anos.

O que aconteceu?
PC - Estávamos entrando bem naquele período da crise mundial. O presidente pessoalmente me pediu um prazo de três meses (janeiro, fevereiro e março) para que eles refizessem o planejamento financeiro da CBFS para a gente poder acertar.

Sua intenção era seguir?
PC – Sim, mesmo colocando em risco as propostas que havia recebido para sair, a minha condição familiar, dificulta um pouco mudanças sem um devido planejamento. Claro que seria interessante desfrutar o fato de ser campeão do mundo naquele momento. Passados esses três meses, as negociações se seguiram e se chegou a um acordo verbal. Ficou definido que eles me enviariam a minuta do contrato. Estou esperando até hoje.

Quando ficou sabendo que não ficaria?
PC - Fui comunicado que havia sido escolhido o melhor técnico do mundo no ano de 2008 por um site grego e pelo Futsal Planet. E que eu estava convidado a recebê-lo. Voltei domingo passado (7/6) desta viajem. Como estava comemorando 20 anos de casado, aproveitei para levar minha esposa e estender um pouco este passeio.

O que houve?
PC - Quando eu estava nessa viagem, fui comunicado que não seguiria por e-mail.

Quem mandou o e-mail?
PC – O presidente Aécio Borba. Eu sei me defender e posso fazer isso buscando minha recolocação no mercado. O problema é que eles assumiram um compromisso, mesmo que verbal, com as coisas da minha filha. O rompimento unilateral desse compromisso colocou em risco a vida dela. Agora estou tentando reparar este atentado à qualidade, e porque não, à manutenção da vida da Laura. O presidente pessoalmente me mandou comprar os equipamentos, a medicação, etc… Todas essas coisas já eram por conta da CBFS, o que seria mantido e alguns itens ampliados com o novo acordo.

Planejaste tua vida contando com esses quatro anos?
PC – Após as negociações e o acerto, sim. Mas eu deveria saber que em algum momento o sistema cobraria, e caro, pela minha rebeldia. Optaram por uma vingança premeditada, sórdida e imunda. Claro que o futsal é muito maior do que isso. Ele não precisa de briga pessoal de treinador com cúpula de Confederação. Nós conseguimos o título, dando ao torcedor, ao patrocinador, aquilo que eles queriam. O futsal vai seguir, a seleção vai seguir…

E porque não se demitiu?
PC - Eu não me demiti por lealdade aos atletas e membros da comissão técnica. Era uma geração de atletas, sedenta pelo título mundial. Eu estaria rompendo com a minha palavra, já que na primeira convocação, em 2005, assumimos um compromisso de irmos juntos até o final. Depois de afrontar o sistema, e sei que fiz isso (bastante), estava esperando uma represália a qualquer momento. Só que ela veio não só contra mim. Veio diretamente contra a minha família e principalmente contra a minha filha.

Sente-se usado?
PC - O projeto surtiu seu efeito e conseguiu seus objetivos. Só que um sistema viciado, decadente, arcaico como é o da CBFS sente saudades de certas atitudes. E de repente bateu uma saudade deles quererem voltar a ser o que eram antes.

Muito se especulou sobre problemas de relacionamento com os jogadores. O que existe de verdade nisso?
PC – Sobre problemas de relacionamento com atletas, vocês podem perguntar diretamente a eles. Até porque, de repente, eles não diriam nada por eu ser o técnico. Agora que não sou mais, acho que são as pessoas ideais para falar sobre a minha pessoa. Tanto é que eu recebi telefonemas de quase todos. Alguns até colocando para mim se a continuidade deles na seleção colocasse em xeque nossa amizade, eles não iriam mais.

Então?
PC - Os jogadores não podem misturar as coisas. Os níveis de amizade e respeito que nós nutrimos não podem se misturar com a questão de servir à seleção nacional. A camisa que eles vão usar tem uma estrela colocada por estes atletas. Sobre minhas relações com os jogadores, algumas são inclusive familiares. Outras, simplesmente profissionais. Essa relação tinha que produzir resultados e foi isso que ela fez.

Em relação ao Falcão especificamente, você teve algum tipo de atrito?
PC - Eu tinha uma missão, de mostrar quanto ele era importante coletivamente. Disse ao Falcão várias vezes que o fato do futsal brasileiro ser vinculado só ao nome dele me incomodava. E conseguimos, durante o Campeonato Mundial, que vários jogadores se destacassem e fossem reconhecidos nacionalmente. Era isso que queríamos. Acredito que ele tenha entendido isso. Até porque fomos campeões mundiais. A contribuição coletiva dada por ele foi importante para o resultado final do trabalho.

A CBFS alegou divergências quanto à forma de pensar o trabalho e também do ponto de vista administrativo. Quais seriam elas?
PC - As diferenças que nós temos em relação à parte administrativa é que eles não podem mandar na minha cabeça. Eu tenho que ter o direito de ter a minhas opiniões e externá-las para quem eu quiser. Mas eles não gostam disso. Eles querem que a opinião da CBFS seja a de todo mundo e que saia da cabeça deles. Isso não funciona assim. As minhas opiniões são as minhas opiniões. E já que minhas opiniões já não servem mais para eles, que eles imponham as opiniões deles para outra pessoa.

Quando assumiu, você montou uma comissão com pessoas da sua confiança. A relação com eles ficou abalada?
PC - Não, absolutamente. Do João Romano (preparador físico) para baixo, são pessoas que se aproximaram, entenderam o trabalho e o nível de cobrança que eu executava, mesmo com o desconforto que estas cobranças tenham, eventualmente, gerado. Compreenderam que as coisas não poderiam ser levadas a meio-pau. Entenderam esse processo e vivenciaram isso. A maioria trabalha comigo há 10 anos. Quanto às demais pessoas, acho que o tempo vai direcioná-los para o caminho que eles escolheram. A tentativa de manutenção de toda a comissão técnica somente me dá certeza da estrutura vencedora que montamos.

Durante esses quatro anos, foram 155 jogos, com 149 vitórias…
PC - Você precisa refazer esses dados. Foram 151 jogos. Os quatro jogos que o presidente convocou eu não dirigi a seleção. Esses quatro jogos têm que ir para a conta dele (presidente).

E qual o balanço que você faz desses quatro anos de Seleção?
PC – Quebramos paradigmas. Era importante mudar algumas coisas que prejudicavam os jogadores. Eles não podem permitir o retrocesso. Pela primeira vez eles puderam usar os tênis deles. Durante o Mundial eles usaram os tênis da marca de material esportivo, porque foram remunerados. A premiação oferecida foi muito boa. Pela primeira vez se tinha uma estrutura para ser campeão do mundo. Os jogadores estavam felizes e se divertiram durante o mundial. Vai haver uma tentativa de retroceder.

E qual legado o PC deixa?
PC - Primeiro, ter uma comissão que cobrisse todas as especificidades. Essa parte eles perceberam que é importante. Tanto é que estão ligando para todos integrantes da comissão para tentar mantê-los. Porque sabem que isso é importante. Acho que essa é a grande conquista. Conseguimos montar essa estrutura. Essas mudanças foram primordiais para profissionalizar o trabalho.

E o futuro?
PC - Tenho recebido telefonemas, os contatos estão acontecendo, mas primeiro estou tentando reorganizar a vida dentro da minha casa. Para depois pensar em como e em que condições voltar a trabalhar. Estou analisando as propostas no contexto geral. O importante agora é, por segurança, manter a minha família longe destas pessoas, porque já deram mostras do perigo que representam. Também tentarei concluir o projeto do meu livro, sobre estes quatro anos, em parceria com a Universidade Gama Filho em São Paulo, onde os salonistas poderão ter uma visão integral dos bastidores da CBFS.

Fonte: Diário de Canoas

Francisco Eboli/ Da Redação


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