Por: Emanuel Medeiros Vieira
(Crônica de um torcedor apaixonado)
Em memória de Antoine de Saint Éxupery escritor e aviador, que um dia desceu na Ilha, no Campeche
Em memória de Albert Camus, que também foi goleiro
Um menino vai ao Campo da Liga.
No caminho: quintais floridos, goiabeiras, tantos campinhos, Ilha, década de 50, sol, remadores na Baía Sul, um domingo, a mãe leva o menino para (antes do futebol) assistir a uma regata, pipoqueiros, algodão-doce, há um circo na cidade.
O Avaí foi um dos meus primeiros alumbramentos.
Já falarei sobre ele.
Lembro do Campo de Manejo, do Miramar, da Confeitaria Chiquinho, do trapiche da Praia de Fora, da Rita Maria, das empadinhas e do guaraná-caçula na Gruta de Fátima, da Missa do Galo na catedral, da Procissão do Senhor Morto, dos tipos folclóricos, Antônio e João Tolo, Chico Barriga D’Água, Curvina, Barca-Quatro.
E do cego Antônio, com sua bacia para moedas, sua bengala, seus “oclinhos”.
Meus pais, além da comida, ofereciam ternura e uma palavra amiga.
Como esquecer dos carros alegóricos da sociedade
Granadeiros da Ilha?
E daquela manhã – a cidade inteira na Praça Quinze – quando avisaram que um avião havia caído.
Era 1958. Morreram Nereu Ramos, Jorge Lacerda, Leoberto Leal. Suspenderam as aulas, a prova de matemática foi cancelada. Eu tinha 13 anos.
Havia: Sessão das Moças no Cine Ritz, troca de gibis (ah, as pulgas) no Cine Rox, passeios a Pinheiral, quando estudávamos no Catarinense, os acampamentos, salsicha, macarrão e groselha.
O primeiro namoro cheio de rubores na matiné do Cine São José.
O Avaí que eu internalizo é o que está no meu coração: não há racionalidade, mas magia; a escalação é afetiva, e o jogo nunca termina num domingo à tarde. Ele atravessa a vida.
A prorrogação é eterna. Não tem apito final.
“A vida não é a que se viveu, mas a que se recorda
e como se recorda para contá-la”, escreveu Gabriel Garcia Marques na epígrafe de sua autobiografia
”Viver para Contá-la”.
Do Campo da Liga não posso esquecer. Não falarei de táticas, estratégias, volantes, impedimentos, técnicas. Não sou especialista. Sou apenas um homem que ama um time. Ainda chamo escanteio de “corner”.
O Avaí me lembra uma gaivota, uma regata, um céu azul, um arco-íris, uma paixão redentora, sol pleno, Saint Éxupery, Chaplin, uma mulher lindíssima (como Greta Garbo, Mônica Vitti, Maureen O’Hara ou Kim Novak), um nascer do sol na Lagoinha da Ponta das Canas, e uma festa do Divino no Ribeirão. Mamãe fazendo cocadas, mamãe preparando o presépio com papai, mamãe me dando a bênção – que atravessa o menino e chega ao homem sessentão.
Machado de Assis já sabia: o adulto sempre está no
menino.
Como no poema de Drummond, se eu fosse rei baixava um decreto: mãe não morre nunca.
Ah, a turma da Rio Branco: Paulo Henrique Sohn, Guilherme Júlio da Silva, Renato Stoterau, Stefano Kotzias (que morava na Esteves Júnior e era o mais avaiano dos avaianos), Hudson Piazza (que chegou depois). Janga morava na parte de cima da rua.
Que os torcedores do Figueirense não me julguem com aspereza. É apenas a celebração de amor a um time. Só isso.
Uma brincadeira. Que façam a contradita, que discordem, que escrevam suas meditações, que falem mal do cronista, que acrescentem algo que este pobre homem do Desterro deveria ter incluído. Ou digam que ele nada conhece de futebol. Que foi parcial, discriminatório.
Mas garanto: sempre enternecido.
Que simpatizantes do Figueira façam a sua celebração. Certo? Entendam como uma crônica lírica. Trata-se de uma brincadeira. Ou de uma “private joke”.
(Lógico, os editores deste blog não têm nada a ver com a minha crônica. Qualquer flecha envenenada dos simpatizantes da agremiação continental, deve ser dirigida a este auto-exilado ilhéu.)
Expliquei. Mas Michel Butor acreditava que toda
explicação é uma forma de destruição.
Vamos lá.
Avaí é utopia. O Figueirense é pragmatismo.
Avaí é poesia. O Figueirense é prosa.
Avaí é tainha frita. O Figueirense é churrasco bem passado.
Avaí é Mário Quintana. Figueirense é Olavo Bilac.
Avaí é Marisa Monte. Figueirense é Ivete Sangalo.
Avaí é namoro. Figueirense é casamento.
Avaí é escotismo. Figueirense é serviço militar obrigatório.
Avaí é psicologia. Figueirense é engenharia.
Avaí é véspera do natal. Figueirense é o dia do natal.
Avaí é sábado de manhã. Figueirense é domingo à tarde.
Avaí é esperança. O Figueirense também.
Avaí é casa com varanda. Figueirense é apartamento com três quartos.
Na coluna da esquerda, segue o Avaí.
Na da direita, o Figueirense.
AVAÍ FIGUEIRENSE
Mozart Wagner
Mãe Pai
Sabiá Canário
Barco à vela Canoa
Salada de frutas Mingau de aveia
Fernando Pessoa Eça de Queiroz
Amora Pitanga
Capelinha Igreja gótica
Marinha Exército
Morango com nata Melancia em fatias
Bob Dylan Bob Marley
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro Nossa Senhora da Conceição
Cinema Televisão
Quindim Torta de chocolate
Verso livre Métrica e rima
Romantismo Realismo
Garrincha Dunga
Oscar Niemeyer Victor Meirelles
Obama Sarkozy
Piano Violão
Samba Pagode
Baía Mar grosso
Mercado Público Feira livre
Cine Rox* Cine Glória
Paixão Também
Garra Também
Platão Aristóteles
Patrícia Pillar Cláudia Raia
Paulo Autran Tarcísio Meira
Batida de butiá Batida de maracujá
São Francisco Santo Expedito
Veneza Nova Iorque
Leveza Solidez
*Para os mais antigos ilhéus.
Dando os trâmites por findos, queria proclamar: que campanha bela – cheia de paixão e talento – o time da Ilha está fazendo no Campeonato Brasileiro!
O ideal, no futuro, será não empatar tanto no
início do campeonato.
A Libertadores seria uma consagração. Mas se não vier agora, chegará mais tarde.
Os sarcásticos e debochados – gente de língua viperina –, tinham firme convicção de que o time azul não permaneceria na Série A.
Guardem suas línguas e chorem suas mágoas “depois da ponte”.
No fundo (sentimental que sou), desejo dias mais iluminados para o Orlando Scarpelli, pois tenho amigos queridos e diletos parentes que torcem pelo Figueira .
Nobody is perfect…
Voa, pássaro azul!or: Emanuel Medeiros Vieira
Nenhum comentário:
Postar um comentário