O passe era a propriedade que os clubes tinham sobre o jogador de futebol. Ele acabou em 1995 na Comunidade Européia quando Jean-Marc Bosman venceu uma longa batalha jurídica pelo direito de jogar no time que lhe desse a melhor condição assim que seu contrato chegasse ao final, sem a necessidade de ressarcimento para o antigo time.
A entrevista do jogador belga Jean-Marc Bosman que a "Folha de S.Paulo" publicou no domingo, 25 de fevereiro de 1996, merece ser copiada pelos sindicatos de atletas brasileiros e distribuída a todos os seus filiados.
Trata-se de uma aula de como os métodos da cartolagem são semelhantes pelo mundo afora e de como o futebol pode ser modernizado.
Entidades que se julgam acima das leis, tentativas para comprar a consciência de quem luta pelos seus direitos e contra as injustiças, pressões as mais variadas e uma visão correta sobre o que é o futebol hoje em dia e sobre o seu futuro, tudo isso está contido na lúcida entrevista de Bosman.
Ele se queixa da falta de solidariedade de seus companheiros no início do processo, seis anos atrás.
Ele mostra que os grandes clubes europeus poderão começar a enfrentar as entidades dirigentes e que no mundo da rentabilidade não há mais espaço para o paternalismo.
E ele propõe até a criação da formação de um fundo financiado pelos clubes para a formação de atletas, agora livres para trabalhar onde quiserem no continente europeu.
Talvez nem seja necessário montar tal fundo.
No mundo do trabalho as empresas investem em formação e treinamento de mão-de-obra porque sabem que o retorno é garantido, embora o procedimento não garanta a permanência do empregado na empresa.
A discussão já chegou ao Brasil. Há quem ache, por exemplo, que a falta de limite para a concentração de jogadores estrangeiros pode acarretar a descaracterização do futebol brasileiro.
“O Campeonato Italiano era o melhor do mundo porque repleto de estrangeiros e a seleção italiana não ganhava nada”, argumenta o presidente da CBF.
Sobre passe livre, então, nem pensar.
Mas não é assim. Em primeiro lugar, porque a Itália que não ganhava nada foi campeã mundial em 1982, terceira em 1990 e vice-campeã em 1994.
Além do mais, mesmo que fosse verdade, certamente o torcedor prefere ver um campeonato nacional forte e cheio de atrações anualmente a ver sua seleção campeã a cada quatro anos.
O clube do coração é uma opção de cada um, uma escolha, diferentemente do país em que nascemos.
Antes de se dizer brasileiro, o torcedor rubro-negro diz, com orgulho, que é Flamengo – e aí não está nenhum sinal de falta de patriotismo ou coisa que o valha.
Quanto ao passe, só mesmo uma mentalidade escravagista pode achar razões para defender sua manutenção.
A União Européia de Futebol, a mais avançada de todas as entidades dirigentes, veja bem, a UEFA que briga hoje contra o autoritarismo da Fifa, passou anos acima das leis da União Européia, tentou comprar o silêncio de Bosman e agora teve de se curvar.
Esperar que os nossos cartolas tenham a sensibilidade de não brigar com os fatos é ingenuidade.
Mas que as asas da liberdade abrirão suas asas sobre nós parece inexorável.
Geraldo Vandré já ensinou que quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
(Publicado na “Folha de S.Paulo” de 27/02/1996)
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