No artigo imediatamente anterior a este, era dito que a adaptação do calendário do futebol brasileiro ao calendário europeu, também chamado de calendário mundial, era imprescindível, com base em alguns argumentos. Na ocasião, prometeu-se acrescentar novos tópicos à discussão. Pois o momento para se proceder a tarefa é esse, sendo tal o objetivo do presente documento.
Os defensores da não adaptação argumentam que os jogadores de futebol deixariam de tirar férias em dezembro, para o fazerem em junho, e isso significaria que não poderiam passar as férias com os filhos, já que não haveria coincidência com as férias escolares.
É preciso, contudo, constatar que pelo calendário atual, sem a adaptação, isso já acontece. É só lembrar o seguinte: as férias dos jogadores, pelo calendário atual, são em dezembro. E, na maior parte de dezembro, os filhos dos jogadores ainda estão em período escolar, pois as férias só começam na segunda metade do referido mês.
Claro está que, na parte final de dezembro, pais e filhos podem estar juntos, devido às festas de Natal e Ano Novo. Algo que pode acontecer mesmo com o calendário adaptado ao calendário mundial, pois, nessa situação, esse período, de festas, não conteria jogos oficiais.
Em outros termos: seja com o modelo de calendário atual, seja com o modelo de calendário adaptado, no período de festas de fim de ano, pais jogadores de futebol e seus filhos estão juntos; e no calendário atual, na maior parte do mês de dezembro, férias dos pais jogadores, os filhos ainda estão em aulas. Portanto, esse fator não é empecilho à adaptação.
Outra ideia que os defensores do "status quo" advogam é que tirar férias em junho, como aconteceria no calendário adaptado ao mundial, seria um absurdo, pois os jogadores teriam que estar em seu gozo no inverno.
Em primeiro lugar, vale lembrar que o inverno só começa no final de junho - no resto do mês se está no outono. Em segundo, cabe constatar que o Brasil é um país tropical, onde, na maior parte de seu território, o clima é quente, mesmo em junho. Portanto, para os jogadores de nível econômico elevado, a minoria, as oportunidades de férias em ambiente quente são infinitas. E, para os jogadores de nível econômico baixo, a grande maioria, a impossibilidade de viajar é clara, seja para ambiente quente ou frio.
Uma crítica à adaptação, ainda, seria pela ótica do torcedor: diz-se que, em dezembro, quando haveria jogos no calendário adaptado, as pessoas estão todas viajando de férias e não iriam ao estádio, nem assistiriam ao futebol pela televisão.
Cabe constatar que:
- As pessoas dificilmente viajam na maior parte de dezembro - elas viajam muito mais em janeiro. Só que, pelo calendário atual, há jogos na maior parte de janeiro. Com o calendário adaptado, continuaria havendo.
- As pessoas podem, sim, viajar no final de dezembro, nas festas de fim de ano. Pois, mesmo no calendário adaptado, não haveria jogos nessa época.
- Quem se pode dar ao luxo de viajar, em um país pobre com o nosso, é uma pequena parcela da população. A maioria absoluta da não viaja.
- Ao contrário da cultura europeia, em que as férias são sempre no verão, e quase todos tiram férias nessa época, no Brasil elas são mais distribuídas ao longo do ano: há gente que faz o recesso em maio, em setembro, em novembro, etc. Portanto, as viagens não estão concentradas só em janeiro, muito menos em dezembro.
- Viajar pode impedir que pequena parcela das pessoas vá ao estádio, mas não impede que boa parte delas veja jogos pela televisão. Ademais que a maioria que viaja o faz dentro do país, mesmo, e as transmissões de jogos são, via de regra, em rede nacional. Portanto, viagens não são empecilho para a adaptação.
No mundo da administração de negócios, a expressão “trade off” é muito utilizada. Significa abrir-se mão de um determinado fator positivo para se aproveitar um fator positivo superior. É a clássica situação em que o benefício é maior do que o custo.
Pois é exatamente disso que se trata, ao se proceder a adequação do calendário do futebol brasileiro ao calendário mundial, de um “trade off”: abrem-se mão das férias dos jogadores nos períodos convencionais, mas, em compensação, geram-se possibilidades positivas para toda a comunidade futebolística, o que inclui os próprios jogadores.
Quando se organiza um calendário esportivo, três aspectos devem ser levados em consideração simultaneamente: o técnico, o comercial e o organizacional.
Do ponto de vista técnico, a adaptação é boa, pois impede, ou ao menos dificulta que os times sejam desmanchados em meio de temporada. Do ponto de vista organizacional, a adaptação é boa, pois se facilita a manutenção da mesma equipe durante uma temporada anual inteira, o que gera coesão, sinergia e valorização do capital humano.
Do ponto de vista comercial, a adaptação é boa, pois permite que os jogadores sejam transferidos só ao final da temporada, com a possibilidade das transações serem mais lucrativas - não se perde atrações em meio à temporada e, consequentemente, se fatura mais em bilheteria, e se abre a possibilidade de excursões ao exterior na pré-temporada que, nesse caso, coincide com a dos clubes europeus.
Talvez, se nos libertarmos de nossas amarras reacionárias, possa-se perceber isso.
*Luis Filipe Chateaubriand é autor do livro 'Futebol brasileiro: um projeto de calendário', pela editora Publit (www.publit.com.br)
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