segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Por que adequar o calendário do futebol brasileiro ao calendário mundial é algo benéfico para a Rede Globo de Televisão?

Com a saída dos principais jogadores dos clubes em meio à temporada, os torcedores perdem o interesse em assistir aos jogos; e isso, claro, não é bom para a emissora carioca

O signatário deste artigo tinha como objetivo escrever, nesta semana, a respeito de como deveria ser o calendário da principal competição do futebol brasileiro, o Campeonato Brasileiro. No entanto, determinado evento fez com que houvesse uma mudança de planos.

Na semana passada, houve um debate no jornal Folha de São Paulo a respeito da adequação do calendário do futebol brasileiro ao calendário do futebol europeu. Defendendo a ideia, escreveu o presidente em exercício do Clube de Regatas do Flamengo, Delair Drumbosk. Contra a possibilidade, escreveu o diretor executivo da Globo Esportes, “braço” para eventos esportivos da Rede Globo de Televisão, Marcelo Campos Pinto.

A posição de ambos é bem conhecida: Delair a favor da adequação, Campos Pinto, contra. Quem acompanha esse espaço com regularidade, sabe que, aqui, defende-se a posição de Delair. A propósito, uma frase lapidar do referido senhor, em prol da adequação, é que “o Flamengo não deve jogar com o Real Potosi, mas com o Real Madri, o que é possível com a adaptação do calendário”.

Entretanto, o que chama atenção é a postura contrária à adequação pela Rede Globo, representada por Campos Pinto. Até porque, aparentemente, a dita adequação é benéfica para a emissora, ao contrário do que se diz. Este documento visa demonstrar por que.

Antes de mais nada, que fique claro: esse escriba não tem nada contra a Rede Globo de Televisão, e muito menos contra as Organizações Globo. Ao contrário, é admirador da programação, de excelente qualidade, é assinante do principal jornal do grupo e, também, ciente das práticas de gestão de excelência executadas em seus domínios, inclusive com uma política de recursos humanos que é considerada exemplo para qualquer organização.

Contudo, parece que a emissora vai de encontro aos seus próprios interesses, ao ser contra a referida adequação, que pode gerar dividendos inclusive pra ela. Três motivos amparam essa tese.

O primeiro deles é que, com o calendário atual, sem a adequação, os clubes perdem jogadores em meio à temporada. E, consequência óbvia, havendo perda de grandes jogadores, o interesse do torcedor diminui, o que faz cair a audiência.

Citando exemplos relativos ao que acontece no corrente ano de 2009:

· O Flamengo negociou seu principal jogador, o volante Ibson, na “janela” de meio de ano. E, sem Ibson, o interesse de torcedores do Flamengo por assistir partidas do clube diminui. Isso não é bom para a audiência e, portanto, não é bom para a Globo.

· O Fluminense negociou um de seus principais jogadores, o meia Thiago Neves, na “janela” de meio de ano. E, sem Thiago Neves, o interesse de torcedores do Fluminense por assistir partidas do clube diminui. Isso não é bom para a audiência e, portanto, não é bom para a Globo.

· O Botafogo negociou um de seus principais jogadores, o meia Maicossuel, na “janela” de meio de ano. E, sem Maicossuel, o interesse de torcedores do Botafogo por assistir partidas do clube diminui. Isso não é bom para a audiência e, portanto, não é bom para a Globo.

· O Cruzeiro negociou dois de seus principais jogadores, os meias Ramires e Wagner, na “janela” de meio de ano. E, sem Ramires e Wagner, o interesse de torcedores do Cruzeiro por assistir partidas do clube diminui. Isso não é bom para a audiência e, portanto, não é bom para a Globo.

· O Internacional negociou seu principal jogador, o atacante Nilmar, na “janela” de meio de ano. E, sem Nilmar, o interesse de torcedores do Internacional por assistir partidas do clube diminui. Isso não é bom para a audiência e, portanto, não é bom para a Globo.

· O Palmeiras negociou seu principal jogador, o atacante Keirrison, na “janela” de meio de ano. E, sem Keirrison, o interesse de torcedores do Palmeiras por assistir partidas do clube diminui. Isso não é bom para a audiência e, portanto, não é bom para a Globo.

· O Corinthians negociou três de seus principais jogadores, o volante Cristian, o meia Douglas e o lateral esquerdo André Santos, na “janela” de meio de ano. E, sem Cristian, Douglas e Andre Santos, o interesse de torcedores do Corinthians por assistir partidas do clube diminui. Isso não é bom para a audiência e, portanto, não é bom para a Globo.

Resumindo: sem a adequação, os jogadores principais dos clubes saem em meio à temporada; com esses atletas referenciais deixando os clubes nesse período, o interesse do torcedor por assistir às partidas pela televisão diminui; e isso, óbvio, não é bom para a Globo.

Há quem argumente, contudo, que, com a adequação, os jogadores continuarão saindo no meio do ano, o que é verdade. Mas, nesse caso, os clubes estarão perdendo os jogadores em início de temporada, o que é ruim, mas é muito pior perdê-los em meio à temporada – o que acontece atualmente, sem a adequação. Inclusive em termos de audiência: para a Globo, bom é que o quadro atual não pode ser. A adequação, sob esse prisma, seria muito melhor.

O segundo deles é que, sem a adequação, muitas vezes acontecerá, como acontece atualmente, a coincidência entre jogos dos campeonatos nacionais e os jogos das competições de seleções, como Copa do Mundo, Copa das Confederações e Copa América.

Óbvio está que, quando a Globo estiver transmitindo, por exemplo, a Copa América, os jogos de campeonatos nacionais serão alocados em datas e horários menos nobres, o que fará que percam audiência.

Veja-se a situação: um produto da emissora, jogos de seleções, “canibalizando” outro produto dela, jogos de clubes. Não seria melhor evitar isso? Pode-se evitar: é só fazer a adequação. Com ela, o período de jogos das seleções não coincide com o período de jogo de clubes; então, a Globo pode auferir a audiência dos jogos de seleções em datas nobres, no período de jogos de seleções, e auferir a audiência dos jogos dos clubes também em datas nobres, no período de jogos de clubes.

Sem se misturar os períodos, distribuem-se os jogos por datas nobres – sejam de clubes, sejam de seleções – ao longo de todo tempo. Bom para a audiência, bom para a Globo.

Em terceiro lugar, cabe ressaltar que existe todo um potencial de exploração do produto “futebol brasileiro” no exterior que parece relegado a segundo plano. Óbvio está que competições brasileiras são transmitidas em vários países, mas, atualmente, são tratadas como eventos menores, de pouca importância. Será que é esse o papel que o futebol brasileiro, pentacampeão, merece?

Fazer com que o “futebol brasileiro” passe a ser visto como produto de primeira linha no cenário internacional é algo que passa por algumas tarefas. A primeira delas é colocar os jogos transmitidos pelo Campeonato Brasileiro só aos domingos. A segunda é definir um horário fixo para transmissões de jogos para o exterior. A terceira, e a que diz respeito à discussão, é que os jogos devem ser transmitidos entre agosto de um ano e maio do ano seguinte.


E por que entre agosto de um ano e maio do ano seguinte? Simples: é o período que os torcedores dos mercados mais relevantes, os europeus, estão mais ligados em futebol. Transmitir os jogos nesse período é aumentar os níveis de audiência nos principais mercados estrangeiros, gerando maior faturamento. E, óbvio que a Globo, que tem know how em comércio exterior de produtos televisivos, haja vista o enorme sucesso de suas novelas no estrangeiro, está apta a aproveitar-se dessa oportunidade.

Como se vê, adequar o calendário de nosso futebol ao calendário mundial permite que os jogadores não saiam em meio à temporada, permite que jogos de clubes e de seleções não disputem o mesmo espaço e permite que os jogos nacionais sejam mais atraentes para mercados externos, desde que em datas coincidentes com as deles. Tudo isso é bom para a Globo – como é bom para o futebol brasileiro.

Vem aí mais um campeão de audiência: o futebol brasileiro!

*Luis Filipe Chateaubriand é autor do livro 'Futebol brasileiro: um projeto de calendário', pela editora Publit (
www.publit.com.br)

Nenhum comentário: