terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Ética e transformação social das Instituições

Por Gilvander Luís Moreira (*)

Reina uma crise plural: política, econômica, ecológica, ética, das Instituições etc. Urge recriarmos a vida com relações éticas e estruturas de fraternidade ou a crise plural que atravessamos nos levará ao abismo. Como vivenciarmos relações éticas que viabilizem (mais do que transformação) a transfiguração das instituições?

Instituições são organizações criadas para organizar e gerenciar a convivência humana em sociedades mais complexas. Nas sociedades mais simples não há tanta necessidade de institucionalizar a vida social, mas a cada dia aumenta a complexidade do conviver. As instituições têm um início, muitas vezes libertador, mas com o passar do tempo, ao se desenvolverem, vão se enrijecendo e iniciam um processo de traição de seus princípios e inspirações originais. Assim acontece com todas as instituições, salvo exceções.

Se uma instituição não funciona bem, ao invés de voltarmos aos princípios originais, ou até mesmo ver se não seria melhor sua extinção – como é o caso do Senado no Brasil -, muitas vezes, cria-se uma outra instituição para remendar a primeira. Exemplos não faltam: excesso de controladorias, auditorias, comissões parlamentares, órgãos de assessoria, de fiscalização etc. É fiscal para fiscalizar fiscal, lei para fazer valer outra lei e ... No entanto a criação de diversos órgãos auxiliares, de conselhos, não tem sido eficaz para resolver o problema da crise institucional moderna que inclui corrupção, opressão e descrença nas próprias instituições.

Há questões de fundo que solapam as instituições. Por exemplo, a perda de valores morais, o apego a coisas supérfluas, a incapacidade de confiarmos na nossa capacidade de resolver socialmente nossos problemas, o que nos faz transferir para outros essa tarefa. Isso se sente no excesso de processos na justiça, na desvalorização da experiência histórica, no consumo exacerbado, no individualismo, na absolutização da tecnologia, no descaso com os empobrecidos e na devastação da biodiversidade.

Ética é uma categoria análoga, não tem conceito único. Aqui, optamos por entender ética como um jeito de conviver que encarna a regra de ouro: “Não faça aos outros aquilo que não quer que lhe seja feito”. Ou seja, mais do que um pensar ético, um agir ético é imprescindível para realizarmos o desafio de transfigurar as instituições e as pessoas.

Quatro pontos, vivenciados pelas CEBs – Comunidades Eclesiais de Base - e pela Via Campesina, são imprescindíveis para um agir ético de forma a contribuir para o processo de transfiguração das instituições. Pensar e agir

a) a partir do empobrecido - Karl Marx dizia que “o lugar social determina o lugar epistemológico”, ou seja, nossos olhos, em última instância, não estão no nosso rosto, mas nos nossos pés. Pensar e agir a partir do empobrecido – pobre, mulher, negro, indígena, criança, idoso, deficiente físico e/ou mental, governado, divorciada, mãe Terra, irmã água, biodiversidade, outra religião/igreja etc - do enfraquecido, do pequeno - é encarnar a regra de ouro.

b) de forma coletiva e participativa - Ninguém é dono da verdade, que deve ser uma busca conjunta. Envolver a todos na participação é vital. Discernir em mutirão.

c) a partir de toda a biodiversidade - Superar assim o antropocentrismo. Agir eticamente exige nutrir encantamento, veneração e respeito por todos os seres vivos. A luz e a força divina permeiam e perpassam tudo. Somos um elo vivo da grande rede da vida. Tudo no universo tem a ver com tudo em todos os pontos. Há uma inter-retro-dependência.

d) a partir de um modelo econômico justo e sustentável ecologicamente. Isso implica elevar a Economia Popular Solidária ao status de Política de Estado e coluna mestra da sociedade. Ser vassalo da idolatria do mercado e do capital é algo imoral e só aprofunda a crise das instituições.

A Via Campesina está mostrando como é possível transfigurar instituições ao fazer Política de baixo para cima e de dentro para fora. Age eticamente, ao defender a realização de reforma agrária, ao priorizar a agricultura familiar casada com a agroecologia, ao exercer o poder de pressão para que o Estado cumpra sua missão.

As CEBs consolam os aflitos e afligem os consolados. Misturam cotidianamente fé e política, sagrado e profano, pessoal e social, céu e terra. Sem dualismos, buscam cultivar a unidade que há de reinar na imensa vastidão dos infinitos pontos que entrelaçam a vida.

As CEBs constituem-se ambientes de relações propícias, em que os negros, historicamente escravizados e oprimidos, resgatam sua consciência de herdeiros da liberdade, reforçam sua autoestima e dignidade, cultivam suas raízes culturais e podem se sentir povo amado por Deus. Da mesma forma acontece com os indígenas, com as mulheres, os sem terra, deficientes, favelados, amasiados, divorciados, recasados etc. Todos os excluídos são considerados “convidados de honra” à mesa da partilha na Comunidade Eclesial de Base.

Por isso vemos as CEBs e a Via Campesina como inspiradoras de um agir ético que transfigura instituições.

Ipatinga, MG, 28 e 29/11/2009.

(Publicado na Revista CAMINHADA – Cuidar da Vida – Ecologia e economia – 7º Encontro Nacional de Fé & Política, Edição especial – 2009, p. 32.)

(*) Frei e Padre Carmelita, mestre em Exegese Bíblica, assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.br

E alimentador da AGECON em Ipatinga Minas Gerais.


Vamos refletir!

Nenhum comentário: