Como em quase tudo nesta vida, a resposta à pergunta regular ou não regular a imprensa não está nos extremos mas sim entre um polo e outro. O problema é que achar a combinação exata de regulação e desregulação é um exercício complicado que exige diálogo e entendimento, coisas meio raras hoje em dia na imprensa brasileira.
Como o tema está na ordem do dia por conta das iniciativas estaduais de regulamentação da mídia, seria interessante ir um pouco mais fundo na análise da questão para que a gente não se sinta perdida no tiroteio de argumentos de um lado ou outro. Só fazendo isto é que podemos distinguir num prazo maior o que vai ajudar ou não na ampliação do fluxo de informações na sociedade brasileira.
O princípio da regulamentação está baseado na idéia de controle destinado a impedir que pessoas ou instituições violem determinadas normas. A regulamentação e a legislação tendem a se sobrepor ao consenso e a concordia, em sociedades onde há uma forte desconfiança originária da desigualdade social e econômica.
Num ambiente de desigualdade é inevitável que os dominados tentem mudar ou ignorar as regras do jogo em seu benefício. No lado dos dominadores, prevalece a mesma atitude, já que eles sabem que os oponentes aproveitarão qualquer chance para reverter a situação. Para evitar a anarquia (ausência de ordem e de regras) criaram-se as regulamentações, códigos e leis cuja preocupação é basicamente defensiva.
A idéia do controle e da regulamentação é adotada tanto pelos adeptos da ordem estabelecida (conservadores) como pelos que pretendem mudá-la (os reformadores ou revolucionários) . Transplantada para a realidade da imprensa, temos na verdade dois tipos de regulamentação em conflito: a dos empresários que desejam baseá-la nas leis do mercado e dos sindicatos, que querem a proteção das leis e do estado.
Os empresários sabem que sem base financeira não existe imprensa e portanto podem manejar o fluxo de informações a seu bel prazer. Isto ainda vigora, mas perde terreno na medida em que a internet deu os cidadãos o poder de publicar, a preços mínimos, quebrando a principal vantagem das indústrias da comunicação. Mas esta perda do monopólio da publicação é parcial, porque a inclusão digital ainda é um processo inconcluso.
Agora olhando para o outro lado, vemos que a experiência histórica nos tem mostrado que as comunidades sociais com alto índice de capital social, chegaram a este estágio dependendo mais da confiança entre seus integrantes do que na regulamentação e nas leis. Hoje, os estudos teóricos mostram que o capital social é a grande alavanca para o crescimento economico e não o contrário.
O norte-americano Robert Putnam provou, com base em pesquisas em cidades italianas, que há uma relação direta entre riqueza economica e civismo. As cidades são ricas porque são cívicas e não o contrário. Isto mostrou que o capital social precede o crescimento econômico.
O capital social é um índice formado por três fatores, na definição de Putnam (*): confiança, comportamentos e relacionamentos. As pessoas confiam uma nas outras porque sabem que serão correspondidas, seguindo a tradicional regra do gentileza gera gentileza. A retribuição é um comportamento que vira norma, enquanto os relacionamentos garantem a propagação da confiança e da reciprocidade.
Os estudos mostram também que o capital social reduz a necessidade de controles porque a confiança mútua torna a regulamentação menos necessária. Com isto as coisas funcionam melhor, a burocracia é menor, e os gastos com vigilância, justiça, polícia e repressão baixam consideravelmente, permitindo maior inversão social. Visto assim, é como se estivessemos falando de sociedades nórdicas em comparação às latino-americanas.
Mas tudo isto é para mostrar que a questão da regulamentação e dos controles tem mais a ver com nossa visão de sociedade do que com questões pontuais, como por exemplo, se a Web deve ou não ser patrulhada.
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