Por SÉRGIO ALVARENGA*
O idioma oficial da República Popular do Congo é o francês. Apesar disso, seu time de futebol de maior destaque, a surpresa Mazembe, trouxe relevantes contribuições para o idioma português.
O país está situado no centro da África, mas a vitória do Mazembe trouxe à tona questões sobre a geografia mundial.
Internamente, a República vive uma guerra civil, mas sua equipe de futebol deu lições de democracia.
É sabido que, antes do campeonato de 2000 – vencido pelo Corinthians no maior estádio de futebol do mundo, sem aspas – apenas clubes da América do Sul e da Europa participavam daqueles torneios realizados no Japão ou mesmo daqueles outros, mais antigos, com jogos na Europa e na América do Sul, ordinariamente chamados de “mundiais” – com aspas.
Sempre soube que as palavras têm seus respectivos significados.
Significados que não mudam apenas pela vontade de quem as profere.
Segundo o Houaiss, “mundial” é adjetivo “relativo ao mundo como um todo, à terra inteira; geral, universal”.
Aulete: Ref. ao mundo inteiro, ao planeta”.
Ora, ora.
Já me perguntei antes: que estranho “mundo” – com aspas, claro - era aquele que ignorava, por exemplo, a sua maior potência econômica e bélica, localizada na América do Norte?
Sempre me acometeu a seguinte dúvida: que bizarro “mundo” era aquele que ignorava, por exemplo, o seu país mais populoso, na Ásia?
Sabe aquela guerra entre judeus e muçulmanos? No “mundo” daqueles que acham que havia Campeonato Mundial antes de 2000 não existe. É ficção.
Que delirante “mundo” era aquele que ignorava o chamado continente negro?
Continente, aliás, do grande time do Mazembe! Continente, aliás, onde foi realizada a última Copa do Mundo. Será que era tudo virtual? Videogame?
Há mais. Que esquisito “mundo” era aquele que ignorava o chamado Novíssimo Continente?
Talvez seja essa a razão pela qual o australiano Julian Assange tem causado tanta celeuma nos últimos dias: é um extraterrestre!
O mais curioso: que excêntrico “mundo” era aquele que ignorava até o próprio país no qual era realizado o torneio?
Ou seja, o campeonato “mundial” era realizado fora do “mundo”!! As equipes viajavam de disco voador?
Entendamos de uma vez por todas: para ser intitulado de mundial, é necessário, ao menos, dar oportunidade para que todos os continentes tenham seus representantes e não sumariamente ignorá-los.
Os prepotentes sempre argumentaram que o futebol fora da América do Sul e da Europa merecia sim ser ignorado.
O argumento é antidemocrático.
O argumento esquece, por exemplo, que a África já ganhou o torneio olímpico em duas oportunidades, infinitas vezes mais do que o Brasil, por exemplo!
O argumento esquece que a Coréia do Sul foi semifinalista em Copa do Mundo.
O argumento esquece que os Estados Unidos foram finalistas da Copa das Confederações, após vencer a poderosa Espanha, atual Campeã Mundial.
O argumento ignora o grande Mazembe.
É, de fato, os prepotentes não são tão potentes como acham…
Cabe perguntar: quem garante que um “Mazembe da época” não poderia ganhar aqueles torneios ditos “mundiais” caso fosse lhe dada uma oportunidade?
Seguramente, ninguém nesse mundo – sem aspas.
Se os prepotentes querem fazer, disputar, comemorar a vitória em um torneio que ignora preconceituosamente vários continentes, que o façam, disputem, comemorem.
Mas, como sempre peço, não o chamem de mundial!
É uma questão de semântica. É uma questão de geografia. É uma questão de democracia.
Campeão Mundial foi o Corinthians.
Que foi vencedor de um torneio do qual participaram representantes da América do Sul, da Concacaf, da Europa, da Ásia, da Oceania.
Foi o primeiro deles. Já que, confirmando tudo que foi dito acima, passou-se a copiar o modelo inicial e, hoje, são organizados, efetivamente, torneios mundiais.
As palavras, insisto, têm seus significados.
E já que o assunto diz respeito a imprecisões da língua, permito-me encerrar com uma redundância: o Corinthians é o primeiro Campeão Mundial de todo o mundo – sem aspas!
*Sérgio Alvarenga é vice-presidente jurídico do Corinthians.